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Publicidade e Redes Sociais: aspectos éticos e legais na Medicina

Nickolas Moisés da Silva1 e Ismar Araújo de Moraes2

Publicado em: 20/08/2025

1Graduando do Curso de Medicina da Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil

2 Professor Titular do Departamento de Fisiologia e Farmacologia-UFF

Na era digital, onde a presença online tornou-se comum para profissionais de todas as áreas, os médicos enfrentam o desafio de equilibrar a legítima divulgação de seus serviços com os princípios éticos fundamentais para o exercício da medicina. A evolução tecnológica proporcionou novos modelos de comunicação que transformaram significativamente a forma como os médicos interagem com seus pacientes e divulgam seus serviços. Nesse sentido, as mídias sociais trouxeram um certo dinamismo e agilidade na propagação da informação, potencializando as capacidades comunicativas dos profissionais de saúde. No entanto, essa facilidade de comunicação abre espaço para práticas que podem comprometer a publicidade médica de modo ético. É neste viés que propomos neste artigo informar sobre os limites impostos à publicidade médica e chamar a atenção para a necessidade de uma prática médica sempre voltada para o bem-estar da sociedade e para a necessidade de sempre preservar o bom nome da profissão.

 

Redes sociais.  Evolução e ascensão como um meio de comunicação com o paciente e divulgação do trabalho médico.

Segundo Ferreira (2011) o termo rede tem origem etimológica no vocábulo latim rete e pode assumir diversos significados, entre eles um conjunto de pessoas, estabelecimentos ou organizações que trabalham comunicando entre si. Segundo ele, foi no início do séc. XX, que surgiu a ideia de rede social, ou seja, a ideia de que as relações sociais compõem um tecido que condiciona a ação dos indivíduos nele inseridos.

Marteleto (2007), discorda do conceito de “rede” ser um aporte próprio do século XX, ao contrário. Na sua visão, o termo traz na sua significação, a memória da sua origem orgânica e próxima do imaginário do corpo desde Hipócrates (Cós, 460 – Tessália, 377 a. C.), considerado, por muitos, o pai da medicina ocidental moderna.

Com o passar do tempo, e a evolução das tecnologias evoluímos do uso aparelhos de telégrafo para o uso de equipamentos móveis ligados à internet permitindo uma comunicação mais fácil e rápida entre as pessoas. Neste aspecto, Zenha (2017/2018) informa que foi no século XXI que se vivenciou a explosão das interações sociais mediadas por meio de computadores, telefones celulares e tablets (mobilidade), todos conectados à internet.

A adesão dos brasileiros ao uso de equipamentos modernos com acesso à internet e em redes sociais é significativa. Kemp (2024), por exemplo, aponta que 86,6% dos brasileiros estão conectados na internet, dos quais 66,3% têm perfis nas redes sociais. O uso diário médio é de 9h13min e sete em cada dez pesquisam marcas na internet.

Se a rede social permite tanta conectividade, não seria demais esperar que ela fosse um instrumento de mercado capaz de oferecer diretamente a alguém produtos ou serviços. E isso naturalmente ocorre e envolve profissionais médicos interessados em divulgar serviços e manter uma relação mais próxima e de confiança com seus pacientes ou potenciais clientes.

Porém, o uso de redes sociais pode resultar em quebras de regras que podem evoluir para denúncias de desvio ético ou mesmo ações na justiça comum como forma de ser reparado dos danos possivelmente causados.  Um estudo interessante conduzido por Daniel et al. (2018), conduzido no Centro Médico da Universidade Americana de Beirute, apontou que a maioria dos participantes (78,6%) acreditava que a comunicação virtual poderia resultar em problemas médico-legais, enquanto 71% a considerava uma violação de privacidade.

 

A publicidade Médica X Propaganda Médica

Os termos “publicidade médica” e “propaganda médica” diferem sobremaneira, e isso foi bem esclarecido com a publicação da Resolução CFM nº 2.336, de 13 de julho de 2023 (CFM, 2023). Ela estabelece nos parágrafos 1º e 2º do artigo 1º que a publicidade médica possui um objetivo econômico ao promover serviços e estruturas, e a propaganda médica visa divulgar assuntos e ações de interesse da profissão.

Art.1º Para fins desta Resolução entende-se por publicidade ou propaganda médica a comunicação ao público, por qualquer meio de divulgação da atividade profissional, com iniciativa, participação e/ou anuência do médico, nos segmentos público, privado e filantrópico.

Entende-se por publicidade médica o ato de promover estruturas físicas, serviços e qualificações do médico ou dos estabelecimentos médicos (físicos ou virtuais).

Entende-se por propaganda médica o ato de divulgar assuntos e ações de interesse da medicina.

         Importante considerar que a publicidade médica, a qual buscamos focar nossa discussão e análise,  conta com regras no ordenamento jurídico brasileiro, sendo cabível, na dependência do agravo:  sanção penal, com aplicação de detenção e multa por juízes criminais; sanções de obrigação de reparação do dano civil, material e moral, por juízes de direito; sanção administrativo-disciplinar aplicada por autoridade constituída;  e sanção ético-disciplinar aplicada pelo Conselho Regional de Medicina competente.

Por força da Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, que dispõe sobre os Conselhos de Medicina, a publicidade deve estar entre as preocupações  constantes do Conselho Federal de Medicina, pois a ele que cabe: “zelar e trabalhar por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exercem legalmente” (BRASIL, 1957). Assim, diante dos avanços tecnológicos e midiáticos, torna-se necessário revisar periodicamente as regras de publicidade e da propaganda médica. A publicação da Resolução CFM nº 2.336/2023 indica o dever cumprido pelo CFM.

Os Conselhos Regionais de Medicina têm a prerrogativa legal de receber e analisar quaisquer denúncias ou representações, apurar os fatos, julgar os profissionais e aplicar as penalidades. No caso da publicidade, as análises deverão ser feitas com embasamento nos ditames do Código de Ética Médica (CFM, 2018) e da Resolução CFM nº 2.336/2023 especificamente publicada para regular a matéria (CFM, 2024). 

Toda publicidade/propaganda em Medicina,  na visão do Dr Emmanuel Fortes Silveira Cavalcanti, deve ser honesta e apresentar o médico e seus serviços de modo claro, conciso e respeitável, fazendo jus a pertencer à nobre profissão dos discípulos de Esculápio (CFM, 2024). Neste aspecto, Velani (2022) fez referência a um ensinamento que foi registrado em  1945, na obra “Deontologia Médica e Medicina Profissional”, pelo Dr. Flamínio Fávero, inscrito no CRM-SP sob nº 001 e primeiro presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, que deve ser visto como extremamente útil na atualidade, em que as ferramentas de tecnologia de informação estão à disposição de todos os médicos.

 “ O médico tem, naturalmente, direito de anunciar, mas deve ser sóbrio, comedido, recatado, pudico nesses reclamos, quer nos títulos, quer na especialidade, quer nas dimensões, quer na forma, quer nas promessas, quer no local onde põe o anúncio. Lembre-se, sempre, que é o representante de uma profissão sobremaneira digna, honesta  e respeitável”.  

 Velani (2022) considerou que a situação é preocupante e que se agrava a cada dia. Segundo eles alguns profissionais justificam erros de  publicidade sob o argumento de que outros profissionais da saúde fazem o mesmo, mas se iludem imaginando que o Conselho Regional de Medicina não está atento e atuante na fiscalização e punição desta prática. E esquecem que sindicâncias e processos éticos tramitam em segredo. Segundo Alves et al. (2012), a grande maioria das denúncias que chegam ao CREMESP apontando erros na publicidade médica são arquivadas,  pois o médico tem a oportunidade de se redimir e  assinar um termo de compromisso de não incorrer novamente no erro. Ainda assim,  quase 5% dos processos éticos profissionais abertos no Regional de São Paulo são motivados por erros de publicidade médica.

  Os problemas observados com erros de publicidade na prática médica, talvez esteja relacionado com a não inclusão de conteúdos de ensino  relativos ao Marketing no processo de formação.    Alves et al. (2012) analisaram a percepção de 280 estudantes de medicina da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo sobre marketing médico, revelando que menos de 20% admitiram ter tido  contato com o tema. Os autores sugerem que a lacuna formativa em marketing médico pode estar diretamente relacionada aos desvios éticos observados na prática profissional, indicando a necessidade urgente de uma inclusão sistemática dessa temática nos currículos médicos.

Expandindo essa análise, um estudo ainda mais recente feito por Schmidt et al. (2021) revelou que a lacuna formativa exposta por Alves et al (2012) persiste e gera consequências práticas mensuráveis: mais de 60% dos médicos entrevistados declararam já ter enfrentado dificuldades profissionais por desconhecimento sobre publicidade médica, evidenciando que a ausência de preparação acadêmica se traduz em problemas concretos no exercício da profissão. Segundo eles, a maior parte dos participantes manifestaram necessidade de se atualizar sobre o assunto, independentemente de serem formados em instituições públicas ou privadas, reforçando a urgência de estratégias educativas mais efetivas tanto na formação quanto na educação continuada dos profissionais. A efetividade de tais estratégias foi reforçada por Souza et al. (2017), que estudaram o comportamento ético de estudantes de medicina nas redes sociais, demonstrando que estudantes que tiveram alguma formação sobre ética digital apresentaram menor incidência de condutas problemáticas.

Aspectos  legais na publicidade médica

No Brasil, a publicidade médica parece ser uma preocupação antiga, pois já conta com regra desde a publicação do Decreto nº 20.931, de 11 de janeiro de 1932, que versou sobre o regulamento e profissão da Medicina  no Brasil, como se vê, ainda que sutil no contexto da publicidade, existe regra para anúncio médico, como se vê na alínea f do seu artigo 15.

 Art. 15 São deveres dos médicos:

f) mencionar em seus anúncios somente os títulos científicos e a especialidade.

 Ainda no governo Getúlio Vargas, a Lei 4.113, de 14 de fevereiro de 1942 (BRASIL, 1942), foi publicada para especificamente regular as propagandas de médicos, assim como de outros profissionais.  Essa preocupação do poder público pauta a necessidade de defender a sociedade do mau uso de informações que o induza a expectativas da parte do paciente que venha ser resultadas em erros e/ou decepções, e com objetivo de resguardar a saúde integral do ser humano, demandar máxima diligência profissional, reforçar os pilares do respeito à dignidade humana, da responsabilidade profissional e do compromisso com o bem-estar do paciente.

Esta preocupação com a publicidade também ficou evidente no momento em que houve a regulamentação dos Conselhos Regionais e Federal de Medicina pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, como se vê no seu artigo 20. E como trata-se de força de lei, as regras deste artigo vem sendo respeitadas em todos os regulamentos infralegais publicados pelo CFM.

 Art  20  Todo aquêle (sic) que mediante anúncios, placas, cartões ou outros meios quaisquer, se propuser ao exercício da medicina, em qualquer dos ramos ou especialidades, fica sujeito às penalidades aplicáveis ao exercício ilegal da profissão, se não estiver devidamente registrado.

 Também integra o arcabouço normativo a Lei Geral de Proteção de Dados LGPD) publicada na forma da Lei nº 13.709 de 14 de agosto de 2018 (BRASIL, 2018). Esta Lei “dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural”. Ela amplia, de forma significativa, o espectro de proteção das pessoas no ambiente digital, possibilitando inúmeras medidas que reprimam violações de dados pessoais na publicidade médica, como multa administrativa, punição criminal, além de indenização por dano moral.

 A LGPD deve ser aplicada em toda e qualquer publicidade médica, e no uso de redes sociais pelos médicos é imperativo que ela seja respeitada, principalmente por ser um meio que favorece a publicação de imagens e informações que estão dentro do direito à privacidade do cidadão. Isto está claro no Capítulo I, que trata da Disposições Preliminares, no  inciso I do artigo 2º.

Art. 2º A disciplina da proteção de dados pessoais tem como fundamentos:

I – o respeito à privacidade;

Aspectos éticos  na publicidade médica

Subordinada a esse arcabouço legal, destacam-se regulamentações de caráter infralegal, como o Código de Ética Médica  publicado pelo Conselho Federal de Medicina, órgão de fiscalização da profissão médica no Brasil. Atualmente, está em vigência o Código de Ética Médica (CEM), instituído na forma de anexo à  Resolução nº 2.217, de 27 de setembro de 2018 (CFM, 2018). Entre as diversas diretrizes nele contidas e relacionadas à publicidade médica, observa-se a vedação expressa à prática de autopromoção, à mercantilização da medicina e à exploração publicitária da profissão médica com fins exclusivamente comerciais. 

O Capítulo XIII do CEM trata especificamente da Publicidade Médica. Nele, os artigos 111, 112 e 114  vedam expressamente ao médico:

 Art. 111  Permitir que sua participação na divulgação de assuntos médicos, em qualquer meio de comunicação de massa, deixe de ter caráter exclusivamente de esclarecimento e  educação da sociedade.

 Art. 112  Divulgar informações sobre assunto médico de forma sensacionalista, promocional ou de conteúdo inverídico.

Art. 114  Anunciar títulos científicos que não possa comprovar e especialidade ou área de atuação para qual não esteja qualificado e registrado no Conselho Regional de Medicina.

 Essas determinações visam garantir que a medicina não se submeta às lógicas de mercado e que o exercício profissional esteja ancorado no compromisso ético com o cuidado e não na obtenção de vantagens comerciais. Nesse contexto, a violação desses princípios, por meio do marketing médico irresponsável, prejudica a segurança do paciente e favorece a instauração de processos éticos no Conselho Regional de Medicina onde o médico esteja registrado.

Vale destacar que o Código de Ética Médica prevê que os médicos têm que cumprir os regulamentos publicados pelo CFM. Isso fica claro no Capítulo III, que trata da Responsabilidade Profissional, onde deixa vedação explícita para descumprimentos de qualquer regra.

É vedado ao médico:

 Art. 17  Deixar de cumprir, salvo por motivo justo, as normas emanadas dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina e de atender às suas requisições administrativas, intimações ou notificações no prazo determinado.

 As  regras atuais para a publicidade em Medicina.

            As regras de publicidade em Medicina vinham sendo ditadas pela Resolução CFM nº 1974/2011 (alterada pelas resoluções CFM nº 2126/2015  e CFM nº 2133/2015) até que em 2023 foi revogada pela Resolução CFM nº 2.336,  de 13 de julho(CFM, 2023) que passou a ter efeitos 180 dias após a sua publicação, ou seja, em janeiro de 2024.  A nova publicação surge, principalmente, diante da necessidade de estabelecer marcos diferenciais entre redes sociais próprias do médico e de seus estabelecimentos assistenciais (pessoas jurídicas).

A nova Resolução reforçou e/ou detalhou os limites éticos da propaganda médica por  meio digital e trouxe no seu conjunto, diferenças significativas no regramento das publicidades. Ela alterou Manual de Publicidade Médica que orienta os profissionais, e estabeleceu novos parâmetros para a comunicação midiática, alguns deles relacionados com os limites para a propaganda de serviços médicos, de modo a preservar a profissão e evitar  práticas mercantilistas e desvios dos preceitos éticos.

Uma das inovações que chamam a atenção foi deixar de ser vedada a divulgação de preços e promoções de serviços médicos. Com a nova Resolução foi permitido ao médico divulgar preços dos seus procedimentos, formas de pagamento, abatimentos e descontos em campanhas, desde que não seja caracterizada uma forma de estabelecer diferenciais na qualidade dos serviços.  Isto ficou claro nos inciso VI e VIII do  artigo 9º do Capítulo IV, que trata das Permissões.

 Art. 9º  É permitido ao médico:

VI – informar sobre valores de consultas, meios e formas de pagamento;

… 

VIII– anunciar abatimentos e descontos em campanhas promocionais, sendo proibido vincular as promoções a vendas casadas, premiações e outros que desvirtuem o objetivo final da medicina como atividade-meio, conforme definido no Manual da Codame (Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos);

 A Resolução CFM nº 2.336/2023 também veda ao médico aproveitar momentos de entrevistas e apresentação de artigos e aparições na mídia com o propósito maior em angariar clientes, a regra imposta pelo Artigo 10 do Capítulo V, que trata da Relação com Veículos e Canais de Comunicação de Massa. A regra impõe portar-se sempre como um representante da Medicina.

 Art. 10 Ao conceder entrevistas a qualquer veículo ou canal de comunicação, bem como na publicação de artigos e informações ao público leigo, o médico deve se portar como representante da medicina, devendo abster-se de condutas que visem angariar clientela ou pleitear exclusividade de métodos diagnósticos e terapêuticos.              

As regras atuais também impõem ao médico fazer uso correto de informações, de modo a não confundir o público consumidor de serviços médicos, vedando principalmente aquelas de cunho promocionais a respeito de si ou de suas aparelhagens, que contenham termos inapropriados indicando pretensas especialidade não reconhecidas pelo CFM, ou que divulgue serviços e equipamentos não reconhecidos pelo CFM e/ou ANVISA.  Todas essas regras estão claras nos  diversos incisos do artigo 11, do Capítulo VI que trata das Proibições, onde também estão regras importantes para a atuação dos médicos, de modo a não ferir os princípios éticos no afã de divulgar seus serviços e aumentar a clientela, e sempre manter a preservação do bom nome da Medicina, a qualidade e adequada precificação dos serviços médicos.  Abaixo extraímos os incisos do artigo 11 que são voltados para a propaganda médica.

 Art. 11 É vedado ao médico e, naquilo que couber, às pessoas jurídicas, entes sindicais e associativos de natureza médica:

I– divulgar, quando não especialista, que trata de sistemas orgânicos, órgãos ou doenças específicas, por induzir à confusão com a divulgação de especialidades;

 II– atribuir capacidade privilegiada a aparelhagens;

III– divulgar equipamento e/ou medicamento sem registro na Anvisa, ou agência que a suceda;

IV– participar de propaganda/publicidade de medicamento, insumo médico, equipamento, alimento e quaisquer outros produtos, induzindo à garantia de resultados;

V– conferir selo de qualidade, ou qualquer outra chancela, a produtos alimentícios, de higiene pessoal ou de ambientes, material esportivo e outros por induzir a garantia de resultados;

VI– participar de propaganda enganosa de qualquer natureza;

 VII– divulgar método ou técnica não reconhecido pelo CFM;

XII– garantir, prometer ou insinuar bons resultados do tratamento;

XIII– permitir, autorizar ou não impedir que seu nome seja incluído em listas de premiações, homenagens, concursos ou similares com a finalidade de escolher ou indicar profissional para o recebimento de títulos como “médico do ano”, “destaque da especialidade”, “melhor médico” ou outras denominações com foco promocional ou de propaganda patrocinada;

XIV– fazer qualquer propaganda ou manter material publicitário nas dependências de seu consultório ou, pessoa jurídica da área médica a que pertença, de empresas dos ramos farmacêuticos, óticos, de órteses e próteses ou insumos médicos de qualquer natureza, quando investidor em qualquer delas;

XV– ter ou manter consultório no interior de estabelecimentos dos ramos farmacêuticos, óticos, de órteses e próteses ou insumos de uso médico;

 XVI– portar-se de forma sensacionalista ou autopromocional, praticar concorrência desleal ou divulgar conteúdo inverídico.

Como atuar de modo a evitar o sensacionalismo,  a autopromoção e a concorrência desleal?  Observe que os termos estão em campos não limitados e portanto passíveis de subjetividade e interpretações equivocadas. No entanto, de modo a evitar tais ocorrências, a nova Resolução 2.336/2023 (CFM, 2023) traz as definições nos  parágrafos 1º, 2º e 3º do artigo 11 acima referenciado.

                No que cabe considerar o sensacionalismo sob o ponto de vista da prática mercantilista, extraímos as alíneas a, b, c e f abaixo transcritas

 Artigo 11…

Entende-se por sensacionalismo:

a) divulgar procedimento com o objetivo de enaltecer e priorizar sua atuação como médico ou do local onde atua;

b) utilizar veículos e canais de comunicação para divulgar abordagem clínica e/ou terapêutica médica que ainda não tenha reconhecimento pelo CFM;

c) adulterar e/ou manipular dado estatístico e científico para se beneficiar individualmente ou à instituição que integra, representa ou o financia;

f) usar de forma abusiva, enganosa ou sedutora representações visuais e informações que induzam à percepção de garantia de resultados.

 

Quanto a autopromoção no contexto da prática mercantilista em Medicina, extraímos o parágrafo 3º do artigo 11 da Resolução.

 Entende-se por promocional referir-se a si próprio, a serviço onde atue ou a técnicas e procedimentos de modo a conferir-se propriedades e qualidades privilegiadas.

               Já na concorrência desleal, definida na nova Resolução, inclui-se atitudes ofensivas entre médicos em redes, anúncios de serviços gratuitos e deixar de indicar o patrocinador de ações assistenciais, como se vê nas alíneas do parágrafo 4º do artigo 11 que vimos comentando.

 Entende-se por concorrência desleal:

a) reportar em suas redes próprias, ou na de terceiros, insinuações de haver feito descobertas milagrosas ou extraordinárias cujo acesso é condicionado à abertura sucessiva de novas abas, fornecimento de informações pessoais ou pagamento;

b) dirigir-se em suas redes próprias a outros médicos, especialidades ou técnicas e procedimentos de forma desrespeitosa, com palavras ou imagens ofensivas à honra, à decência ou à dignidade dos que pretende atingir;

c) anunciar a prestação de serviços médicos gratuitos em seu consultório privado, aplicando se este mesmo princípio a empresas de qualquer ramo que contrate médico para prestação de serviços em medicina;

d) não anunciar, enquanto estabelecimento assistencial, ente associativo ou sindical médico, campanhas preventivas, curativas e de reabilitação sem identificar o patrocinador da ação.

 A nova resolução chama a atenção para a vedação do uso da mídia para divulgar o que deve ser considerado como conteúdo inverídico, neste aspecto ela define no parágrafo 5º do artigo 11.

 Entende-se por conteúdo inverídico toda propaganda ou publicidade com o anúncio de práticas revolucionárias ou milagrosas, ou novos procedimentos que não tenham sido aprovados para uso médico pelo CFM.

 

Conclusão

A análise dos limites éticos da publicidade médica no Brasil revela uma progressiva tensão entre a necessidade legítima de divulgação profissional e os riscos inerentes à mercantilização da saúde. A resolução CFM nº  2.336/2023, que trata da matéria, embora tenha modernizado as regras de publicidade médica para adequá-las ao ambiente digital, não eliminou os desafios que permeiam a questão.

É imprescindível destacar que a efetivação das normas no cotidiano da publicidade profissional depende não apenas de uma regulamentação atualizada, mas fundamentalmente da conscientização médica sobre as implicações éticas, penais, civis e administrativas de suas manifestações públicas, de forma que a proteção da integridade da medicina e da segurança do paciente permaneça como um imperativo que oriente toda comunicação médica, independentemente dos avanços tecnológicos. 

No cenário atual, em que as redes sociais se consolidam como espaços centrais tanto para o compartilhamento pessoal quanto para a promoção de atividades profissionais, a responsabilidade pelo cumprimento dos preceitos éticos é compartilhada entre os médicos e os órgãos reguladores. Essa vigilância constante é essencial para evitar que a publicidade se transforme em mercantilização dos serviços de saúde, o que poderia comprometer gravemente a credibilidade da medicina brasileira.

Além disso, infrações no âmbito digital vão além de questões ético-administrativas, frequentemente configurando hipóteses de responsabilidade civil. A crescente judicialização de casos relacionados à comunicação médica inadequada demonstra que danos materiais e morais podem ser reclamados em juízo, reforçando a necessidade de rigor ético e jurídico em todas as formas de publicidade profissional.

Por fim,  é importante ressaltar que os médicos, em todas as esferas de atuação – da prática clínica às manifestações públicas virtuais – devem observar rigorosamente os princípios legais e éticos, sob risco de enfrentarem sanções que vão desde advertências éticas até punições civis e penais. Somente assim será possível preservar a dignidade da profissão e garantir que a publicidade médica cumpra sua função informativa sem desvirtuar os valores fundamentais da medicina.

 

4 – Referências Bibliográficas  

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