Implicações Éticas nas Prescrições Médicas Ilegíveis: um Risco à Segurança do Paciente

Carlos Eduardo de Oliveira Brandão1, Ismar Araújo de Moraes2

Publicado em: 31/03/2025

1 Graduando do Curso de Medicina da Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil

2 Professor Titular do Departamento de Fisiologia e Farmacologia-UFF

INTRODUÇÃO

A prescrição ou receita médica compreende a realização do ato médico, constituindo um importante meio de comunicação com o paciente e outros profissionais da saúde. Nesse sentido, o receituário atua como ponte para o relacionamento médico-paciente no processo colaborativo do cuidado, uma vez que, a partir desse, será continuado o tratamento do doente por si próprio, com a aquisição do devido medicamento e, por conseguinte, a correta adesão ao regime terapêutico, dose, intervalos e via de administração. Portanto, de nada adianta uma excelente consulta, se ao final não houver clara e completa compreensão daquilo que foi prescrito para continuidade do tratamento.

Em um estudo conduzido por Silvério e Leite (2010) foram analisadas 800 prescrições médicas, com 1156 medicamentos diferentes, em quatro farmácias comunitárias do município de Muriaé (MG). Os resultados indicaram que 68% das prescrições eram pouco legíveis ou ilegíveis, enquanto apenas 32% foram consideradas legíveis. Embora esses dados tenham mais de uma década, o lançamento da campanha “Uma letra ilegível pode ser fatal”, pelo Conselho Federal de Farmácia em 2023 (CFF, 2023), com o objetivo de alertar sobre a recorrente chegada de prescrições ilegíveis aos balcões de farmácias em todo o país, ficou evidenciado que a que a problemática persiste, mantendo-se como uma questão importante a ser considerada na prática médica.

A clareza das prescrições, se negligenciada, pode resultar em consequências práticas graves, como erros de medicação e atrasos no tratamento, colocando em risco a saúde do paciente e desrespeitando o princípio da não-maleficência.

Contudo, além dos impactos clínicos, prescrições inadequadas também vão de encontro a questões éticas fundamentais do ato médico. De acordo com o Código de Ética Médica (CEM), publicado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), é vedado ao médico receitar de forma ilegível, devendo todos os documentos médicos serem claros e completos (CFM, 2018). A inobservância desses preceitos compromete a segurança do paciente e concorre para abertura de processos de natureza ética no Conselho Regional de Medicina em que estiver inscrito o médico. Exige-se dos médicos jamais ignorar princípios fundamentais da sua profissão como os princípios de beneficência, não-maleficência e a justiça.

Do exposto, torna-se fundamental refletir sobre as implicações éticas e práticas das prescrições médicas ilegíveis, e suas consequências para o paciente e para o médico responsável pelo cuidado à saúde. Este artigo discute essas questões, correlacionando-as a estudos recentes e fazendo lembrar as normativas vigentes.

A LEGIBILIDADE COMO DEVER ÉTICO E LEGAL

No Brasil, a Lei n° 5.991, de 17 de dezembro de 1973 (BRASIL,1973) que dispõe sobre o Controle Sanitário do Comércio de Drogas, Medicamentos, Insumos Farmacêuticos e Correlatos, determina em seu artigo 35 que a dispensa de receitas médicas está condicionada à sua clara compreensão e cita de maneira literal a necessidade de que a prescrição se apresente de forma legível. 

Art. 35 – Somente será aviada a receita:

I – que seja escrita no vernáculo, redigida sem abreviações e de forma legível e que observe a nomenclatura e o sistema de pesos e medidas oficiais;   (Incluído pela Lei nº 14.063, de 2020)

Essa prerrogativa em lei já deveria ser suficiente para que todo profissional emitisse receitas legíveis para garantir a correta leitura da parte do dispensador do medicamento e atendentes de farmácia, garantindo com isto a saúde do consumidor do serviço médico e a celeridade no aviamento da receita.

Além disto, o Código de Ética Médica (CEM), anexo da Resolução 2217, de 27 de setembro de 2018 (CFM, 2018), código de natureza impositiva e não deliberativa, a ser seguido na conduta médica versa em dois artigos que o constituem acerca da legibilidade dos registros médico. O Artigo 11 do  Capítulo da Responsabilidade Profissional veda ao médico receitar de forma ilegível, enquanto no Artigo 87 do Capítulo dos Documentos Médicos veda ao médico deixar de elaborar prontuário, ao qual a prescrição é parte integrante, igualmente legível para cada paciente.

É vedado aos  médicos:

Art. 11. Receitar, atestar ou emitir laudos de forma secreta ou ilegível, sem a devida identificação de seu número de registro no Conselho Regional de Medicina da sua jurisdição, bem como assinar em branco folhas de receituários, atestados, laudos ou quaisquer outros documentos médicos.

Art. 87. Deixar de elaborar prontuário legível para cada paciente. 

No entanto, a realidade nem sempre se adequa às normativas e diretrizes vigentes. Embora a legislação e os preceitos da ética médica preconizem a legibilidade das prescrições como característica fundamental do cuidado médico desde o século XX, ainda hoje, em 2024, a compreensão das receitas médicas muitas vezes se apresenta como um desafio, não apenas para os pacientes, mas também para os demais profissionais de saúde.

Uma  das evidências foi o lançamento  pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF) no dia 5 de maio de 2023, Dia do Uso Racional de Medicamentos, da campanha “Uma letra ilegível pode ser fatal”, com o objetivo de alertar sobre a recorrente chegada de prescrições ilegíveis aos balcões de farmácias em todo o país (CFF, 2023). Se medidas de conscientização por campanhas  são necessárias, entende-se que há negligência e necessidade de atenção para o problema.

Recentemente, dentro desta temática foi publicada no estado do Rio de Janeiro  a Lei nº 10.292, de 6 de março de 2024 (RIO DE JANEIRO, 2024) obrigando todos os estabelecimentos de saúde a exibirem, em local visível, cartazes contendo a seguinte informação: “É dever do médico prescrever as receitas por extenso, de forma clara e legível, nelas indicando o uso interno ou externo dos medicamentos, sua identificação profissional com o número do seu registro junto ao conselho profissional, o nome e a residência do paciente, observados a nomenclatura e o sistema de pesos e medidas oficiais”. Essa medida regulatória, está embasada nos ditames do  código de ética médico do CFM e no artigo 15 do  Decreto Federal n° 20.931, de 11 de janeiro de 1932 (BRASIL, 1932) que regula o exercício da medicina, além da odontologia, da medicina veterinária e das profissões de farmacêutico, parteira e enfermeira no Brasil. 

Art. 15  São deveres dos médicos:

b) escrever as receitas por extenso, legivelmente, em vernáculo, neIas indicando o uso interno ou externo dos medicamentos, o nome e a residência do doente, bem como a própria residência ou consultório;

A atual conjuntura revela que, embora existam regulamentos éticos e legais consolidados, a sua aplicabilidade na prática médica, ao que tudo indica, ainda carece de efetividade.  

IMPACTOS NO CUIDADO AO PACIENTE

A segurança do paciente é um dos pilares fundamentais da prática médica, assim, a legibilidade das prescrições desempenha um papel essencial nesse contexto. Contudo, em 08 de março de 2024, o Conselho Federal de Farmácia veio a público relatar o aumento de queixas quanto ao recebimento de receitas ilegíveis nas diversas farmácias do país. Na publicação são enunciados dados alarmantes a exemplo: em 2019 o Conselho constatou que das prescrições analisadas 72% delas apresentavam algum grau de ilegibilidade; em 2022 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recebeu 1.234 notificações de eventos adversos relacionados à ilegibilidade de receitas médicas, dos quais 147 resultaram em óbitos (CFF, 2024).

Sob essa perspectiva, os problemas relacionados às prescrições ilegíveis fazem parte do cotidiano das farmácias brasileiras. Logo, frequentemente os farmacêuticos são responsabilizados pelo erro de médicos que insistem em receitar de maneira ilegível. Relatos incluem desde pacientes inconformados com a recusa na entrega do medicamento – motivada por dúvidas legítimas quanto ao que foi prescrito – até erros graves que levam à troca de medicamentos, atrasando o tratamento adequado, ou, em casos extremos, resultando em óbitos. Nesse contexto, apesar de a Lei n° 5.991/73 determinar que os farmacêuticos não devem dispensar receitas ilegíveis, o grande número de prescrições inadequadas implica um cenário de incertezas. Em muitas farmácias, a tentativa de interpretar trechos legíveis das receitas e relacioná-los ao contexto clínico do paciente tornou-se prática comum. Além disso, surgem relatos de grupos em aplicativos de mensagens sendo usados por farmacêuticos para compartilhar imagens de receitas e buscar ajuda no entendimento do que foi prescrito, evidenciando a gravidade e a amplitude dessa problemática.

Dessa forma, além de expor o paciente a riscos, a prescrição médica ilegível tem gerado atrito entre a classe médica e farmacêutica. Relatos divulgados pelo CFF destacam como a interpretação ou recusa de receitas ilegíveis representa um desafio constante para os farmacêuticos, que lidam diretamente com os pacientes no momento da dispensação ou em casos de dúvida quanto ao conteúdo prescrito. Essa situação não apenas causa transtornos no atendimento, mas também repercute em processos judiciais movidos por pacientes que tiveram medicamentos trocados devido a interpretações equivocadas de receitas ilegíveis. Nessas ações, as redes de farmácias frequentemente tentam responsabilizar também os médicos pela inadequação das prescrições, ainda que as penalidades recaiam majoritariamente apenas sobre os farmacêuticos ou as farmácias (CFF, 2024). De quem é a responsabilidade? Quem prescreveu de maneira inadequada? Quem dispensou a receita ilegível? Como o paciente não percebeu ou questionou a troca do medicamento? Esses são os questionamentos que repercutem em casos que ganham a mídia, resultando em disputas judiciais entre paciente, farmacêuticos e médicos.

Apesar da ocorrência, a judicialização de situações relacionadas com a ilegibilidade de receitas não são raras. A  exemplo, em 5 de novembro de 2013, foi noticiado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo o seguinte: “A 3ª Vara Judicial de Ribeirão Pires condenou uma rede de drogarias a pagar indenização aos pais de uma criança que adquiriu um medicamento diverso ao anotado em receita médica. O erro ocorreu devido à grafia pouco legível da prescrição.” (TJSP, 2013). Logo, a dispensação de uma receita mesmo mediante dúvida fundada quanto ao conteúdo prescrito justificou a punição a rede de drogarias em questão. Contudo, também ficou constatado que o erro ocorreu em virtude de uma prescrição inadequada quanto a sua legibilidade, mas não se teve notícia de qualquer advertência ao médico responsável. A responsabilidade é exclusivamente dos farmacêuticos?

Prescrições ilegíveis também podem representar riscos graves no contexto hospitalar. Imagine a seguinte situação: um médico da UTI prescreve um medicamento intravenoso para um paciente crítico, especificando a dose e o intervalo corretos. No entanto, devido a uma caligrafia ilegível, a dose na receita não é clara, e a equipe de enfermagem interpreta erroneamente como sendo 10 mg, quando a dose correta deveria ser 100 mg. A administração incorreta leva à subdosagem ou falta de resposta clínica. Após complicações, o erro é identificado durante a revisão da receita. A responsabilidade é exclusivamente da equipe de enfermagem?

Deve ser entendido que, a prescrição ilegível, além de ser uma grave falha técnica, constitui violação direta do Código de Ética Médica, comprometendo não só a relação entre os profissionais da saúde, mas também a segurança do paciente. Nesse sentido, a ética médica, mais do que um conjunto de normas formais, pressupõe competência, zelo e responsabilidade pela vida de toda e qualquer pessoa que se entregue aos cuidados médicos, respeitando não só os aspectos técnicos da profissão, mas também os valores humanos que norteiam a produção do cuidado. Além disso, a inobservância da legibilidade nas receitas médicas infringe a ética do respeito à autonomia do paciente, que deve ser plenamente informado sobre o tratamento que receberá.

Este artigo, ao evidenciar a persistência da prática inadequada de prescrições ilegíveis, visa tornar notória uma infração ética que, por mais que tenha sido banalizada, pode ter consequências graves. Logo, é importante a reflexão por parte dos profissionais de saúde sobre o impacto de suas atitudes na vida dos pacientes que confiam sua saúde a eles. Além disso, é necessário destacar que o Código de Processo Ético-Profissional, regulamentado pela Resolução CFM nº 2.306/2022, prevê a possibilidade de instauração de processos éticos-profissionais (PEPs) em caso de infrações ao Código de Ética Médica (CFM, 2022). Essas infrações podem ser denunciadas ao Conselho Regional de Medicina (CRM), que tem competência para investigar e aplicar as sanções cabíveis. Entre as penalidades previstas no Art. 22 da Lei nº 3.268/57, incluem-se advertência, censura, suspensão e, nos casos mais graves, cassação do registro profissional, assegurado o direito à ampla defesa.

Portanto, torna-se fundamental a conscientização de que a legibilidade das prescrições é uma extensão do compromisso ético do médico, que, ao respeitar este preceito, assegura que o tratamento oferecido ao paciente seja não só adequado, mas seguro e eficaz. Por fim, o tratamento ético da medicina deve se refletir em cada gesto, em cada decisão e, sobretudo, na clareza da comunicação com o paciente, afinal, o ato médico reverbera mesmo após o fim da consulta, estendendo-se ao tratamento e à vida do paciente, e, em casos de negligência ética, podendo resultar em consequências disciplinares para o profissional.

SOLUÇÕES E ALTERNATIVAS

A persistência da ilegibilidade das prescrições médicas demanda a implementação de soluções práticas e acessíveis para mitigar os riscos associados a esse cenário deletério. Nesse sentido, uma das alternativas mais promissoras, porém ainda pouco divulgada e debatida, é a prescrição eletrônica, que oferece maior clareza, segurança e praticidade tanto para os médicos como para os pacientes. Redução de erros nas prescrições, escrita clara e legível, melhora da comunicação entre médicos, farmacêuticos e pacientes, é a isso que a prescrição eletrônica se propõe.

Vale lembrar que o Conselho Federal de Medicina (CFM) disponibiliza uma plataforma digital e gratuita para emissão de prescrições eletrônicas e outros documentos médicos. Desse modo, por meio do site https://prescricaoeletronica.cfm.org.br/, os médicos podem elaborar receitas de maneira clara e compreensível, com validação digital e aceitação nacional, além disso, ao fim da consulta a prescrição pode ser enviada para o paciente via SMS, e-mail, ou qualquer outro aplicativo de mensagem no formato PDF, permitindo a clara e fácil visualização da receita, bem como seu encaminhamento para a farmácia de interesse. Essa medida não apenas promove o cumprimento das normativas éticas e legais, mas também facilita o acesso às receitas pelos pacientes e farmácias, reduzindo a dependência da legibilidade da caligrafia.

Algumas legislações municipais e até estaduais têm buscado regulamentar acerca das práticas relacionadas às prescrições. A exemplo, o Estado do Mato Grosso do Sul sancionou ainda em 2008 a Lei Estadual n° 3.629/08 – conhecida como lei dos garranchos-, que dispõe sobre a obrigatoriedade expedição de receitas médicas e odontológicas digitadas em computador e impressas no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul (MATO GROSSO DO SUL, 2008). Contudo, embora a lei dos garranchos também afirme o compromisso do Estado em garantir infraestrutura necessária para que se cumpra a lei, como computadores e impressoras em quantidade adequada em todos os estabelecimentos públicos de saúde, sabe-se que a realidade é outra: médicos questionando a obrigatoriedade, frente a falta de recursos necessários, para a adesão a tal medida, receitas ilegíveis que continuam chegando aos balcões das farmácias e brigas jurídicas alegando a inconstitucionalidade dessa lei, afirmando não haver qualquer tipo de Lei Federal que obrigue diretamente médicos a prescreverem de forma legível.

Em  de Patos, no estado da Paraíba, o Município sancionou a Lei Municipal nº 5.252/19, que obrigava a expedição de receitas médicas e odontológicas digitadas em computador, datilografadas ou escritas manualmente em letra de forma, nos estabelecimentos de saúde da rede pública ou privada do Município (PATOS, 2019) para o benefício da população. Contudo, já em 2020 essa lei foi julgada inconstitucional e suspensa após o Sindicato dos Médicos do Estado da Paraíba (Simed) recorrer à justiça com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) sob a alegação é de que houve vício de iniciativa, já que a proposição de uma legislação que vise alterar organização e funcionamento da Administração Municipal é de competência reservada ao Chefe do Poder Executivo. Assim, foi considerada a invasão dessa competência e clara violação ao Princípio da Separação dos Poderes, configurando a inconstitucionalidade em questão, já que, embora a lei tenha sido sancionada pelo Chefe do Poder Executivo, ela foi inicialmente proposta pelo Poder Legislativo (TJPB, 2020).

Nota-se que mesmo iniciativas louváveis e com intuito de melhorar os cuidados prestados à população, por meio da regulamentação da legibilidade das prescrições, têm enfrentado resistências de diferentes esferas. Mesmo alternativas simples e acessíveis como a opção pela escrita manual em letra de forma, a exemplo da tentativa do Município de Patos, têm sido rejeitadas, o que reforça ainda mais esse entrave que permeia toda a discussão. É tão difícil se adequar a uma boa prática de prescrição como essa? Quanto tempo mais um médico levaria para escrever com cautela e utilizando a letra de forma? Tal recusa seria por preguiça? Comodismo? Enquanto esses questionamentos permanecem em aberto é a segurança e saúde da população que está em risco.

Diante desse cenário desafiador, é essencial reafirmar a prescrição eletrônica como alternativa viável, moderna e eficiente. Assim sendo, sua implementação dispensa custos com impressão ou até mesmo computadores, basta apenas um celular para que seja possível realizar a prescrição de maneira eletrônica através do Portal do Conselho Federal de Medicina. Ademais, segundo dados do IBGE, em 2023 um total de 163,8 milhões de pessoas tinham aparelho de telefone celular para uso pessoal no País, o equivalente a 87,6% da população com 10 anos ou mais (IBGE, 2023), o que corrobora a praticidade tanto do médico em prescrever quanto do paciente em receber essa prescrição via aparelho móvel. Para os casos em que a escrita manual seja a única opção, convém padronizar o uso da letra de forma como uma solução prática e simples, podendo ser aplicada em qualquer contexto, independentemente das condições que se apresentem, nada justifica uma prescrição ilegível.

Por fim, é urgente a criação de uma iniciativa sólida em esfera Federal que não apenas padronize o supracitado em todo território nacional, mas que também promova mecanismos rigorosos de fiscalização e punições adequadas para os casos de descumprimento. Caso contrário, sem um respaldo legal consistente e fiscalização efetiva, a resistência de médicos e gestores, bem como a inércia do poder político, continuarão perpetuando essa conjuntura nociva à segurança e saúde da população. Portanto, é tempo de encarar a questão com seriedade e priorizar soluções que coloquem o interesse do paciente em primeiro lugar, superando comodismos e resistências que insistem em atrasar o progresso em uma área tão fundamental. 

CONCLUSÃO

A ilegibilidade das prescrições médicas não é apenas um erro técnico, mas uma falha ética que coloca em risco a segurança do paciente. Logo, os médicos têm o dever de garantir uma clara e compreensível comunicação tanto com seus pacientes como com outros profissionais da saúde, especialmente sobre tratamentos, uma vez que a prescrição ilegível fere os princípios fundamentais da ética médica, prejudica o trabalho dos demais profissionais e cria oportunidades para erros que podem prejudicar diretamente a saúde do paciente.

Desse modo, a implementação da prescrição eletrônica é uma solução pragmática, contudo a real mudança necessita de uma reflexão das responsabilidades do médico para com a população. Assim, a clareza nas prescrições é uma extensão da produção do cuidado que se inicia entre as quatro paredes do consultório mas acompanha o paciente até seu lar, quando recorrendo a receita médica irá aderir ao regime terapêutico ali descrito. Portanto, a legibilidade não deve ser vista como uma simples formalidade, mas como um imperativo ético e profissional, afinal, uma letra ilegível pode ser fatal.

REFERÊNCIAS

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