Soroterapia da Beleza: quando a estética ultrapassa os limites da segurança e da ética.

Agnes Gonçalves Balbi1 , Damurie Costa de Lira1 , e Ismar Araújo de Moraes2

1 Graduando do Curso de Medicina da Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil

2 Professor Titular do Departamento de Fisiologia e Farmacologia-UFF

Publicado em 29/03/2025

A medicina é uma profissão que lida diretamente com a vida humana e uma das mais antigas e respeitadas. Seus profissionais, os médicos, conquistaram ao longo dos séculos um reconhecimento único e confiança plena da sociedade. Vistos como uma figura quase divina têm suas prescrições seguidas à risca pelos pacientes, assim, com este “status” elevado, cabe-lhes o compromisso constante com a ética e o respeito, pois suas ações e decisões impactam profundamente na vida das pessoas.

A medicina evoluiu com o passar dos anos, assim como as demais profissões, e surgem novas e bem-vindas terapias que contribuem para o pronto restabelecimento da saúde, assim como para o seu bem-estar, muitas vezes obtidos por meio de procedimentos de cirurgia plástica e outros procedimentos que lhes garantam melhor aparência física, maior sensação de vigor e vitalidade.

 O desejo do corpo perfeito é o principal motivo para que muitos indivíduos utilizem procedimentos estéticos questionáveis, ou seja, que não apresentam evidências clínico-científicas consistentes que comprovem a sua segurança e eficácia. Nesse sentido, as indústrias e clínicas da beleza vem atraindo a atenção da mídia, dos famosos e também de anônimos que buscam melhorias estéticas, como emagrecer e rejuvenescer as células do corpo, com um novo tratamento chamado de soroterapia ou terapia da beleza: uma infusão intravenosa de vitaminas, minerais, aminoácidos e outros compostos para fins estéticos. 

Na prática médica, este tratamento reconhecido como terapia ortomolecular parenteral ou nutrição intravenosa, sempre fez parte da prescrição em tratamentos de pacientes doentes que requerem uma intervenção rápida, a exemplo os que sofrem de anemia grave e necessitam de reposição de ferro e outros elementos para o pronto restabelecimento. Há também, aqueles indivíduos que apresentam uma deficiência  de absorção de nutrientes após cirurgia bariátrica, um procedimento que consiste na redução do volume do estômago e que pode diminuir a absorção de moléculas essenciais à vida como, vitaminas, aminoácidos e minerais. Nestes casos específicos, há a necessidade de reposição de nutrientes por infusão intravenosa de vitaminas e aminoácidos, sob prescrição e acompanhamento de um médico preferencialmente nutrólogo. 

A soroterapia da beleza vem sendo divulgada como um procedimento benéfico à saúde humana, que garante maior disposição, melhoria da imunidade e da pele, entre outros benefícios, o que pode ser entendido como uma deturpação dos fins e uma abertura de portas para desvios de natureza ética e até criminal.

Há de ser considerado que somente os médicos podem prescrever a soroterapia e nas condições requeridas pelos pacientes com base nos seus achados clínicos em exames. Os demais profissionais da área da saúde, entre eles biomédicos e nutricionistas e possivelmente outros, somente podem fazer indicações dentro de uma Lista de Medicamentos Isentos de Prescrição (MIP), conforme a Instrução Normativa da Anvisa nº 86, de 12 de março de 2021 (ANVISA, 2021), sob pena de responderem frente aos seus conselhos regionais de fiscalização do exercício profissional ou justiça comum pois o exercício ilegal da medicina é considerada prática criminosa. Entre as formas farmacêuticas da Lista MIP não existem soros ou outras formas indicadas para aplicação endovenosa.

 Algumas publicações vêm sendo feitas como formas de alerta para a população. Neste aspecto, o Dr. Carlos Idelmar de Campos Barbosa, presidente do Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso do Sul (CRM-MS, 2024) informou em 2024 no site do Regional que a soroterapia da beleza não tem comprovação científica para pessoas saudáveis e pode expor pacientes a sérios riscos, como infecções e reações alérgicas. Contudo está no campo da maleficência. Também a Sociedade Brasileira de Dermatologia do estado do Pará (SBD/PA,2024), tornou público que o soro da beleza ou soroterapia, que promete mudanças na estética física, não faz parte do rol de procedimentos médicos.

É notório que o médico é o único profissional de saúde que apresenta habilitação legal para prescrever a aplicação de vitaminas e minerais por via endovenosa desde que o propósito seja o de atender às necessidades fisiológicas do paciente. Mas, se indicada para fins meramente estéticos infringirá o seu código de ética, que consta publicado com anexo da Resolução CFM nº 2217, de 27 de setembro de 2018 (CFM, 2018), e traz no inciso XXI do Capítulo do Princípios Fundamentais que somente podem ser usados procedimentos diagnósticos e terapêuticos desde que adequados ao caso e cientificamente reconhecidos. Assim, a indicação da soroterapia para fins estéticos, por si só, já constitui uma prática antiética da parte do profissional. 

XXI – No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas.

No Capítulo que trata dos Direitos dos Médicos fica clara a liberdade de decidir pelo procedimento, mas não o exime de restringir-se ao que é legal e comprovado cientificamente. 

II – Indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e respeitada a legislação vigente.

Se ciente da falta de comprovação científica o médico objetivar lucrar com a prática em moda, a despeito dos possíveis malefícios, agrava o desvio ético pois caracteriza prática mercantilista vedada aos médicos também no Capítulo do Princípios Fundamentais no seu inciso IX, assim como no artigo 20 que trata de vedações na prática médica.

IX – A medicina não pode, em nenhuma circunstância ou forma, ser exercida como comércio. 

Art. 20. Permitir que interesses pecuniários, políticos, religiosos ou de quaisquer outras ordens, do seu empregador ou superior hierárquico ou do financiador público ou privado da assistência à saúde, interfiram na escolha dos melhores meios de prevenção, diagnóstico ou tratamento disponíveis e cientificamente reconhecidos no interesse da saúde do paciente ou da sociedade

A soroterapia da beleza para ser objeto de prescrição médica encontra ainda outras barreiras do ponto de vista ética, haja vista as vedações previstas nos artigos 1º, 14, 17 e 18 do Código de Ética do Médico.

É vedado ao médico: 

Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência. Parágrafo único. A responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida

Art. 14. Praticar ou indicar atos médicos desnecessários ou proibidos pela legislação vigente no País.

Art. 17. Deixar de cumprir, salvo por motivo justo, as normas emanadas dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina e de atender às suas requisições administrativas, intimações ou notificações no prazo determinado. 

Art. 18. Desobedecer aos acórdãos e às resoluções dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina ou desrespeitá-los.

Se apresentado na mídia como serviço oferecido, ao médico caberá processo ético por desrespeito ao artigo 113 do seu código de ética que prevê divulgar somente tratamentos de reconhecida segurança e eficácia. E mesmo, se somente pertencer ao corpo clínico de um estabelecimento que divulga a  Soroterapia da Beleza entre seus serviços, cabe lembrar a proibição que trata o artigo 57 do Capítulo das Relações entre Médicos. 

Art. 57. Deixar de denunciar atos que contrariem os postulados éticos à comissão de ética da instituição em que exerce seu trabalho profissional e, se necessário, ao Conselho Regional de Medicina.

Art. 113. Divulgar, fora do meio científico, processo de tratamento ou descoberta cujo valor ainda não esteja expressamente reconhecido cientificamente por órgão competente

De todo o exposto, não restam dúvidas que a Soroterapia da Beleza, nas condições atuais, e enquanto não comprovada cientificamente e for regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina, é um ato antiético pois explora as vulnerabilidades de autoestima, sem realmente promover a saúde ou oferecer os benefícios prometidos e é passível de aplicação de penalidades no seu tribunal de ética. Nos parece necessário maior fiscalização dos órgãos competentes, assim como a mobilização de entidades e profissionais de saúde através de simpósios, palestras, artigos científicos e também o uso do diálogo como ferramenta de conscientização a fim de promover um procedimento estético que priorize a ética, a segurança e o bem-estar humano. 

Referências Bibliográficas 

ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. INSTRUÇÃO NORMATIVA IN Nº 86, DE 12 DE Março DE 2021. Define a Lista de Medicamentos Isentos de Prescrição. Brasília, 2021. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/instrucao-normativa-in-n-86-de-12-de-marco-de-2021-309013946. Acesso em: 23 de janeiro de 2023.

CFM. Conselho Federal de Medicina. CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA. Resolução CFM n° 2.217, de 27 de setembro de 2018, modificada pelas Resoluções CFM nº 2.222/2018 e 2.226/2019. Brasília, 2019. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/images/PDF/cem2019.pdf. Acesso em: 23 de janeiro de 2023.

CRM/MS. Conselho Regional de Medicina do Estado do Mato Grosso do Sul. CRM/MS alerta para os riscos da soroterapia em tratamentos estéticos sem comprovação científica. 2024. Disponível em : https://crmms.org.br/noticias/crm-ms-alerta-para-os-riscos-da-soroterapia-em-tratamentos-esteticos-sem-comprovacao-cientifica. Acesso em: 23 de janeiro de 2025.

SBD/PA. Sociedade Brasileira de Dermatologia – Pará. SBD se manifesta sobre a prática da Soroterapia. 2024. Disponível em : https://sbdpa.org.br/conteudo/sbd-se-manifesta-sobre-a-pratica-da-soroterapia. Acesso em: 23 de janeiro de 2025.

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